quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Quem não tem medo dos cidadãos de bens?



Um homem estava dentro de um transporte coletivo na Cidade do Rio de Janeiro ao avistar dois jovens atravessando o sinal fechado e então homem dispara um comentário:
"Olha lá, ainda tem gente que tem pena! Ainda tem gente que defende! Tem que jogar essas pragas debaixo do ônibus"
(Os dois jovens avistados pelo senhor, autor deste comentário, eram negros e em situação de rua). O discurso vociferado por este senhor me gerou alguns questionamentos, reflexões...e medo!

Gostaria de neste texto justificar o medo!

Na definição do filósofo Tzvetan Todorov, "bárbaro é todo aquele que não reconhece a humanidade do outro", e quando não reconhece tal humanidade, querem então desumanizá-lo... "Jogar debaixo do ônibus" talvez seja a solução!

O senhor passageiro do ônibus, sente-se mais humano do que os dois jovens! Ele desumaniza não apenas os dois jovens como também "quem sente pena"... Tenho medo deste cidadão, afinal de contas, quem não tem medo de "bárbaros"?

Esses, como o senhor do ônibus muitas vezes se auto intitulam como "Cidadãos de bem", com discurso a favor da proteção dos "homens de bem" , da família, trabalham, pagam seus impostos e se sustentam sem ajuda do governo". Porém o mesmo "cidadão de bem" que é ávido em proferir palavras como estas, profere com proporcional ódio, palavras como as do senhor ônibus!

Ao final de seu "comentário", "o cidadão de bem" do ônibus diz: "Deus que me perdoe" e ao longo da viagem, o "homem de bem" faz o "sinal da cruz" toda vez que o ônibus passa em frente a uma igreja!  Que religião é essa que o cidadão de "bem" pratica?

Enfim...Este é o cidadão "de bem" que defende com intensidade seus valores, que desumaniza à todos e todas que infringem esses valores! Este cidadão que dá medo, afinal de contas, quem não ficaria com medo de alguém que faz apologia a um assassinato cruel (jogar dois seres humanos debaixo do ônibus)

Termino com algo que Kant, chamou de "vocação humana", palavras citadas por Todorov:

"A ideia de civilização confunde-se, portanto, em grande parte , com o que Kant designa por "senso comum" ou, ainda, por "pensamento ampliado", ou seja, a capacidade de proferir juízos que levem em consideração representações próprias aos outros homens desta terra, escapando, pelo menos, parcialmente às deformações egocêntricas ou etnocêntricas. Essa capacidade de se colocar no lugar de qualquer outra pessoa é vista por Kant como um meio à disposição do ser humano para realizar a sua vocação"

Que os "cidadãos de bem", pratiquem o "exercício" proposto: "se colocar no lugar de qualquer pessoa"... Será que conseguem?

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Antropologias, Etnocentrismo e o "O Jogo da Imitação".

"Só porque algo pensa diferente, podemos dizer que esse algo não pensa?" Alan Turing, matemático personagem principal de "O Jogo da Imitação"

Cena do filme "O jogo da Imitação"


Vivemos uma síndrome da padronização e homogenização dos costumes e da forma de pensar. Síndrome essa que não é característica exclusiva de nossa sociedade moderna (apesar de moderna), desde sempre, desejamos separar a humanidade entre bárbaros e civilizados, entre nós e os outros, e nesta separação são impostos os sistemas culturais, modo de agir ou pensar de uma determinada sociedade ou grupo que julga-se "certa" em detrimento de outras formas de cultura.

Eis aqui uma temática muito cara no campo da antropologia, o conceito de Etnocentrismo, quando afirma um determinado grupo que sua cultura, seus costumes, sua língua, religião, enfim, seus sistema de representação do mundo, seus arranjos sociais são mais importantes, maiores ou simplesmente tratarem como se fossem a "verdade" em relação ao que a cultura e ao modo como pensa ou age o "outro".

Assim agiram os europeus na conquista das Américas, quando viram "os outros", isto é, os índios que aqui habitavam e não possuíam os mesmos costumes. Assim agiram os nazistas, quando e com objetivo de apregoar uma sociedade ariana, mataram os que não tinham tais atributos, que não se encaixavam no mundo idealizado, no mundo considerado perfeito e "normal".

Porém como já dito acima, o ato de considerar o outro "não humano", "não dos nossos", "não eu", não é exclusividade de uma época ou sociedade.

Em meio a Segunda Grande Guerra Mundial, uma outra civilização praticou atos, com as mesmas características, estes foram os ingleses. Assim como nos conta o filme "O Jogo da Imitação", o longa metragem baseados em fatos reais, fatos esses que se passaram durante a Guerra, relata como o matemático Alan Turing, decifrou os códigos de comunicação dos nazistas, sendo assim essencial para promover o fim da guerra.

Alguns detalhes chamam à atenção ao longo do filme, tais como o comportamento "esquisito" (palavra usada aqui entre aspas e de forma proposital para fomentar a reflexão do que é "normal" ou "anormal"), pouco sociável, comportamento que não se encaixava nos padrões ditos normais. No desenrolar da trama, é revelado a homossexualidade do matemático. (não prosseguirei, para não cometer a gafe de expor detalhes importantes, para quem ainda não assistiu)

Após  ter sua " homossexualidade descoberta" (outro termo usado de forma proposital), claro, Alan, sofre perseguições, ameaças e punições por conta de sua orientação sexual. Eis mais um exemplo de como a humanidade trata e desumaniza quem não encaixa-se dentro dos padrões ditos normais. Quem não estava dentro dos padrões da sociedade idealizada pelos nazistas era sumariamente torturado e morto, porém ainda hoje, tomamos as mesmas atitudes, desconsideramos sua humanidade, assim de igual maneira, matamos os que não "se encaixam".

Porém, Alan, realizou um feito histórico, que poupou a vida de milhões de seres humanos. Um frase dita no filme poderia resumi-lo de forma completa:
"Ninguém normal teria feito aquilo...", dita por uma das personagens ao matemático, se referindo ao feito de decodificar os códigos.

Quando não consideramos o outro, digno dos mesmos direitos que os nossos, quando não consideramos o outro tão "seres humanos" quanto nós, apenas por pensarem e agirem de maneira diferente do que consideramos o certo, estamos agindo como bárbaros, como brilhantemente nos afirma Tzvetan Todorov:

"A recusa de considerar visões do mundo diferentes da nossa separa-nos da universalidade humana e mantém-nos mais perto do polo da barbárie. Em compensação, progredimos na civilização ao aceitarmos ver que os representantes de outras culturas têm uma humanidade semelhante à nossa"

sábado, 23 de maio de 2015

Caminhemos! (Post de Apresentação)



Sejam todos e todas bem vindos e bem vindas!

É com muita alegria que inicio as atividades neste blog. 

Neste espaço terei por objetivo publicar desabafos e escrever para, através de posts com periodicidade aleatória, gerar debates e reflexões.

"Na relação de intimidade entre pensar, ler e escrever e na necessidade que temos de viver intensamente essa relação, sugeriria a quem pretenda rigorosamente experimentá-la que, pelo menos, três vezes por semana, se entregasse à tarefa de escrever algo. [...]
Ninguém escreve se não escrever, assim como ninguém nada se não nadar" (FREIRE, 2012, p.71)

Meus escritos irão conter esta relação entre o pensar e o ler, e acrescentaria, o ver, isto é, meu ponto de vista sobre a sociedade na qual estamos inseridos, suas problemáticas, suas complexidades, sobre as relações entre os indivíduos. Um desabafo manifesto e o farei através de autores que me influenciam e permeiam esta relação (pensar, ler, ver e escrever)

Resumiria-os com outra frase de Freire:

"O meu ponto de vista é dos "condenados da Terra", e dos excluídos(FREIRE, 1996, p.16)

Portanto, os temas centrais deste espaço serão as opressões vivenciadas por todas as classes e/ou todos os grupos de pessoas quem permanecem excluídas e marginalizadas diariamente pela sociedade.
Não apenas as opressões vivenciadas e os grupos que as sofrem, porém também, as formas de opressões. Muitas delas silenciosas, porém de semelhante modo coercitivas, que oprimem a muitos. Ainda que muitos não as percebam como opressão.

Para concluir, terei por pretensão contribuir através das reflexões e com os debates que serão incentivados por essas, para uma sociedade mais justa, mais igualitária e mais crítica: mais observadora das opressões que o sistema impõe!

Portanto, o meu ponto do vista é dos que sofrem com as opressões que ao meu ver são próprias deste sistema político/econômico hegemônico! O meu ponto de vista é do excluído, que é excluído pelo motivo que for.
O meu ponto de vista é dos que sonham e vivem a utopia de um dia onde todas essas opressões serão superadas!
Meu ponto de vista é de Paulo Freire, Dom Helder Camara, Leandro Konder, Abdias do Nascimento, Eduardo Galeano, Frida Khalo, Karl Marx, Malcom X, Martin Luther King Jr, dentre milhares de homens e mulheres que viveram e ainda vivem esta utopia.

Convindo-lhes portanto para esta caminhada!

"A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar"
Eduardo Galeano

Forte e fraternal abraço!

Bibliografia
¹ FREIRE, Paulo. Professora Sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. 23 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.
² FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à Prática educativa. 11 ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.