Observatório da Opressão
"Assim, todos, juntos, continuavam a sua vida cotidiana, cada um a seu modo, com ou sem reflexão; tudo parecia seguir seu rumo habitual, como em situações extremas, nas quais tudo está em jogo, e a vida continua como se nada acontecesse" Goethe
segunda-feira, 17 de abril de 2017
Reduzidos a pó...?
Como já é de amplo conhecimento, a UERJ vem sofrendo com a precarização e o sucateamento promovidos pela Administração Estadual, professores, professoras e técnicos-administrativos sem salários, alunos e alunas com suas bolsas-permanências atrasadas, ficando assim sem condições de custearem sua ida à Universidade, enfim, o descaso com que o Desgoverno tem tratado a UERJ já vem sendo denunciado amplamente pelo Movimento Estudantil, por parte da mídia, movimento sociais, professores e funcionários da instituição, portanto não quero me alongar descrevendo a atual situação criminosa pela qual a Universidade vem sendo submetida.
É imediato lembrar da célebre frase do educador, antropólogo e político Darcy Ribeira: "A crise da Educação no Brasil não é uma crise, é um projeto", projeto muito bem desenhado na "cartilha neoliberal".
A crise que a UERJ enfrenta é mais um ataque do sistema capitalista, que ao promover suas próprias crises tenta resolve-las com a sua espiral descendente da austeridade, isto é, cortando investimentos públicos, sucateando serviços, golpeando os direitos da classe trabalhadora, tirando da educação pública (impedindo a 5° melhor Universidade do Brasil de funcionar). E os mais sugados por este impiedoso projeto, são exatamente os pobres, negros e periféricos.
Assim, o neoliberalismo e sua cartilha de austeridade, vão tragando tudo, (serviços públicos, direitos, educação), e assim vão-se, sonhos, planos, futuros, forças, emocional, objetivos, enfim...reduzindo tudo, todas e todos à pós e nos aspirando...aspirador de aspirações...
Momentos como esses, nada melhor do que a arte como remédio para nos ajudar na esperança e na resistência. Cantou Chico,
"A minha gente hoje anda falando de lado o olhado pro chão...",
"...Apesar de você, amanhã há de ser outro dia,
Ainda pago pra ver jardim florescer qual você não queria,
Você vai se amargar vendo o dia raiar sem lhe pedir licença,
E eu vou morrer de rir que esse dia há de vir antes do que você pensa...!"
quarta-feira, 30 de dezembro de 2015
Quem não tem medo dos cidadãos de bens?
"Olha lá, ainda tem gente que tem pena! Ainda tem gente que defende! Tem que jogar essas pragas debaixo do ônibus"
(Os dois jovens avistados pelo senhor, autor deste comentário, eram negros e em situação de rua). O discurso vociferado por este senhor me gerou alguns questionamentos, reflexões...e medo!
Gostaria de neste texto justificar o medo!
Na definição do filósofo Tzvetan Todorov, "bárbaro é todo aquele que não reconhece a humanidade do outro", e quando não reconhece tal humanidade, querem então desumanizá-lo... "Jogar debaixo do ônibus" talvez seja a solução!
O senhor passageiro do ônibus, sente-se mais humano do que os dois jovens! Ele desumaniza não apenas os dois jovens como também "quem sente pena"... Tenho medo deste cidadão, afinal de contas, quem não tem medo de "bárbaros"?
Esses, como o senhor do ônibus muitas vezes se auto intitulam como "Cidadãos de bem", com discurso a favor da proteção dos "homens de bem" , da família, trabalham, pagam seus impostos e se sustentam sem ajuda do governo". Porém o mesmo "cidadão de bem" que é ávido em proferir palavras como estas, profere com proporcional ódio, palavras como as do senhor ônibus!
Ao final de seu "comentário", "o cidadão de bem" do ônibus diz: "Deus que me perdoe" e ao longo da viagem, o "homem de bem" faz o "sinal da cruz" toda vez que o ônibus passa em frente a uma igreja! Que religião é essa que o cidadão de "bem" pratica?
Enfim...Este é o cidadão "de bem" que defende com intensidade seus valores, que desumaniza à todos e todas que infringem esses valores! Este cidadão que dá medo, afinal de contas, quem não ficaria com medo de alguém que faz apologia a um assassinato cruel (jogar dois seres humanos debaixo do ônibus)
Termino com algo que Kant, chamou de "vocação humana", palavras citadas por Todorov:
"A ideia de civilização confunde-se, portanto, em grande parte , com o que Kant designa por "senso comum" ou, ainda, por "pensamento ampliado", ou seja, a capacidade de proferir juízos que levem em consideração representações próprias aos outros homens desta terra, escapando, pelo menos, parcialmente às deformações egocêntricas ou etnocêntricas. Essa capacidade de se colocar no lugar de qualquer outra pessoa é vista por Kant como um meio à disposição do ser humano para realizar a sua vocação"
Que os "cidadãos de bem", pratiquem o "exercício" proposto: "se colocar no lugar de qualquer pessoa"... Será que conseguem?
quarta-feira, 23 de dezembro de 2015
Antropologias, Etnocentrismo e o "O Jogo da Imitação".
"Só porque algo pensa diferente, podemos dizer que esse algo não pensa?" Alan Turing, matemático personagem principal de "O Jogo da Imitação"
Cena do filme "O jogo da Imitação"
Vivemos uma síndrome da padronização e homogenização dos costumes e da forma de pensar. Síndrome essa que não é característica exclusiva de nossa sociedade moderna (apesar de moderna), desde sempre, desejamos separar a humanidade entre bárbaros e civilizados, entre nós e os outros, e nesta separação são impostos os sistemas culturais, modo de agir ou pensar de uma determinada sociedade ou grupo que julga-se "certa" em detrimento de outras formas de cultura.
Eis aqui uma temática muito cara no campo da antropologia, o conceito de Etnocentrismo, quando afirma um determinado grupo que sua cultura, seus costumes, sua língua, religião, enfim, seus sistema de representação do mundo, seus arranjos sociais são mais importantes, maiores ou simplesmente tratarem como se fossem a "verdade" em relação ao que a cultura e ao modo como pensa ou age o "outro".
Assim agiram os europeus na conquista das Américas, quando viram "os outros", isto é, os índios que aqui habitavam e não possuíam os mesmos costumes. Assim agiram os nazistas, quando e com objetivo de apregoar uma sociedade ariana, mataram os que não tinham tais atributos, que não se encaixavam no mundo idealizado, no mundo considerado perfeito e "normal".
Porém como já dito acima, o ato de considerar o outro "não humano", "não dos nossos", "não eu", não é exclusividade de uma época ou sociedade.
Em meio a Segunda Grande Guerra Mundial, uma outra civilização praticou atos, com as mesmas características, estes foram os ingleses. Assim como nos conta o filme "O Jogo da Imitação", o longa metragem baseados em fatos reais, fatos esses que se passaram durante a Guerra, relata como o matemático Alan Turing, decifrou os códigos de comunicação dos nazistas, sendo assim essencial para promover o fim da guerra.
Alguns detalhes chamam à atenção ao longo do filme, tais como o comportamento "esquisito" (palavra usada aqui entre aspas e de forma proposital para fomentar a reflexão do que é "normal" ou "anormal"), pouco sociável, comportamento que não se encaixava nos padrões ditos normais. No desenrolar da trama, é revelado a homossexualidade do matemático. (não prosseguirei, para não cometer a gafe de expor detalhes importantes, para quem ainda não assistiu)
Após ter sua " homossexualidade descoberta" (outro termo usado de forma proposital), claro, Alan, sofre perseguições, ameaças e punições por conta de sua orientação sexual. Eis mais um exemplo de como a humanidade trata e desumaniza quem não encaixa-se dentro dos padrões ditos normais. Quem não estava dentro dos padrões da sociedade idealizada pelos nazistas era sumariamente torturado e morto, porém ainda hoje, tomamos as mesmas atitudes, desconsideramos sua humanidade, assim de igual maneira, matamos os que não "se encaixam".
Porém, Alan, realizou um feito histórico, que poupou a vida de milhões de seres humanos. Um frase dita no filme poderia resumi-lo de forma completa:
"Ninguém normal teria feito aquilo...", dita por uma das personagens ao matemático, se referindo ao feito de decodificar os códigos.
Quando não consideramos o outro, digno dos mesmos direitos que os nossos, quando não consideramos o outro tão "seres humanos" quanto nós, apenas por pensarem e agirem de maneira diferente do que consideramos o certo, estamos agindo como bárbaros, como brilhantemente nos afirma Tzvetan Todorov:
"A recusa de considerar visões do mundo diferentes da nossa separa-nos da universalidade humana e mantém-nos mais perto do polo da barbárie. Em compensação, progredimos na civilização ao aceitarmos ver que os representantes de outras culturas têm uma humanidade semelhante à nossa"
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